O Eco dos Pássaros

zine digital | edição #2

o eco dos pássaros | próxima edição

Nota introdutória

Servirá de algo a ânsia que nos enche os dias no desejo, grotescamente vão, de preencher o tempo com momentos que se convertam em tenras memórias? Memórias essas que de tenras passarão a maduras, de maduras passarão a secas, adulteradas, e de secas voltarão lentamente ao pó como o pé de tomateiro que após mais uma tempestade teimosamente quebra.

Voltam a ser pó e mesmo sem nada terem chegado a ser, os momentos que se tornaram memórias, esvaem-se num caminhar cíclico de tempo vago, consumido e expirado.

Não vamos entrar em discursos niilistas, nem despertar filósofos exclamando os seus nomes para dar a sensação de que somos mais do que este corpo inspirando tempo e convertendo-o em pó. De que serve a ânsia que nos enche os dias? A busca e o desejo, o mais e o melhor, a soma e o resultado nunca em decrescente... Para que servirão? Não tarda nada seremos todos pó assim como as memórias, os sonhos, o pé de tomateiro e as plantas que enchem a jarra na sala de estar onde livros já acumulam tanto outro pó. De que serve esta ânsia?

Esta ânsia, na realidade, advém do profundo Ser de quem quer que algo mude ao sentir que algo imperativamente terá que mudar. Não que tenha que mudar o mundo do outro, mas que possa, pelo menos mudar a nossa própria sensação da realidade. É a busca constante da utopia diria, o desejo de todas as quimeras que nos arreliam e despertam a inquietude. 

É, portanto, esta ânsia que nos faz manter um movimento constante evitando o limbo ou, a ainda pior, queda. É esta inquietação que muitas vezes não sabemos o que é, ao que vem e onde nos leva que nos mantém inspirando momentos e expirando pó. Porque não sabemos, "porque não sei/ porque eu não sei ainda" (José Mário Branco). 

É esta ânsia que nos faz continuar porque sabemos que algo não está bem em nós ou à nossa volta. E é também este continuar a caminhar que nos leva a cruzar desafios, a cruzar tempestades e a cruzar-nos com novos seres que vivem com estas mesmas ansiedades. E assim se juntam (dizem que os loucos acabam sempre por se juntar) e muitas vezes alienados da sociedade propõem-se a fazer diferente e a remar contra todas as marés. É neste momento que o que está mal em nós ganha um novo sentido, o sentido colectivo e deixa de ser pessoal para ser uma ambição comum. É aqui que, para mim, encontramos o antídoto. O outro vai-nos sempre ajudar a conhecer aquilo que realmente nos atormenta e nos corrói, a partilha vai-nos sempre ajudar a libertar amarras que não sabíamos ter, e o construir colectivo sobre esses Eu e Nós ruínas irá levar-nos a edificar coisas belas que nos darão energia para superar e crescermos individualmente.

"O Eco dos Pássaros" foi fruto de uma ansiedade que não entendíamos e que agora construímos juntos. Desta forma criamos ligações, partilhamos ansiedades, curamo-nos e crescemos.

Este segundo número desta zine é a reafirmação dos nossos anseios que, com maior ou menor veleidade, estarão sempre connosco para nos fazer avançar. Que "O Eco dos Pássaros" ajude a afastar as paredes das quais somos reféns e clive montanhas que se afastam com o tempo para nos fazer sentir a liberdade. E se assim for, ao cantarmos, o Eco será maior. 

Luís Caracinha