Tema com Variações 1
Tema
Quando olhamos uma linha não distinguimos os pontos que a formam.
Quando distinguimos cada um dos pontos, não vemos a linha que formam.
Não é uma cegueira, existem várias formas de corrigir esta deficiência.
Variação 1
Uma linha parece apenas uma linha e não uma sucessão de pontos.
Olhar de longe ou olhar de perto faz toda a diferença.
Na verdade, quase nunca se trata do que vemos,
mas da forma como vemos aquilo que nos é dado a ver.
Variação 2
Olhamos de perto e vemos um ponto, isolado e distinto.
Afastamo-nos e vemos outros pontos, cada vez mais pontos, até que vemos uma só linha, uma longa e fina linha.
Vês apenas o que o teu olhar pode abranger.
Variação 3
O teu futuro é o que consegues ver acontecer-te.
O tempo é uma linha estendida de que não distingues os pontos que a formam.
Por isso, o teu futuro estará sempre no presente, assim como o teu presente estará sempre no teu passado.
Variação 4
Escrever é unir pontos que de outra forma nunca se tocariam, é dar sentido ao que de outra forma nunca o teria.
Uma linha é sempre muito mais do que uma sucessão de pontos.
Toda a verdade é sempre uma ilusão.
Variação 5
Os pontos vivem na mais completa solidão.
A linha é a única forma de aproximá-los, por mais distantes que estejam.
Parece que deixam de existir, porém só não existe verdadeiramente quem existe só para si.
Variação 6
Certo ponto aborrecia-se porque só o chamavam para terminar as frases!
Um dia pôs um ponto final no assunto e nunca mais apareceu;
deixando os outros pontos entregues a si mesmos…
Estão a ver o que quero dizer com estas linhas, não estão?
Variação 7
Quando olhamos uma linha não distinguimos os pontos que a formam.
Quando olhamos cada um dos pontos não distinguimos a linha que formam.
Não é uma cegueira, existem várias formas de evitar que tal aconteça: o amor, a poesia, a sabedoria.
Luís Ene
Luís Nogueira, que assina o que escreve como Luís Ene, tinha 16 anos em 25 de Abril de 1974 e reside actualmente em Faro, onde passou grande parte da sua infância e a adolescência. Em 2002, foi vencedor da 1ª edição do concurso Novos Talentos com o romance A Justa Medida, publicado pela Porto Editora. No mesmo ano criou o blog Mil e Uma Pequenas Histórias, fazendo em simultâneo a sua entrada no mundo dos blogs e na arte da micro-narrativa. Desde então manteve vários blogs e publicou três livros: Blogs (em colaboração com Paulo Querido), Mil e uma pequenas histórias (Leiturascomnet, 2005) e Muchas vezes me sucede olvidar quien soy ( colecção Palavra Ibérica, 2006), Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido/ Luís Ene. - 1ª ed. - Póvoa de Santa Iria : Lua de Marfim, 2016; Guru de algibeira / Luís Ene. - 1ª ed. - Faro : Sílabas & Desafios, cop. 2017. Está representado na Antologia de Poesia Portuguesa Actual - Poema Poema (Aullido. Huelva, 2006), na antologia Contos de Algibeira (Porto Alegre, Casa Verde, 2007) e na Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa (Lisboa, êxodus, 2008). Foi fundador e co-editor da Minguante, revista de micro-narrativas on line. Manteve durante dois anos um programa semanal dedicado à literatura na Rádio Universitária do Algarve. Faz parte do projecto musical SomComTom e Língua no ouvido. Esteve na origem dos grupos literários Sulscrito e Texto-al. Mantém actualmente o blog Ene Coisas (em http://luis-ene.blogspot.com). Detesta escrever notas auto-biográficas.