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Cinco Poemas Sobre Viagens por Dentro

As Flores

A Fajã Grande desenhou o seu corpo
numa planura, a meia altura entre as arribas e o mar,
tornando, ainda, mais vertical o cultivo
do milho alto, nos seus braços.
O seu regaço materno de mulher
abrigou hortênsias viradas a oeste,
protegendo a falésia da escuridão do mar.
Nos seus precipícios oceânicos, apenas um burro
sabia o caminho do princípio ao fim.​

Pico Alto

​O Pico Alto, não se alcança
sem o cheiro álacre da urze azórica,
retorcida sobre o barro vulcânico da ilha.
Ao lado, incensos e cedros não lembram a morte,
mas um vital caminho verde para o mar
oceano, azul e longo.
Tudo se entende, olhando das
casas limpas e brancas, de azul debruadas,
esconjurando os males escondidos na bruma.

Café Sport

Aquele é o café,
visível no azul ferrete e no amarelo
velho, as cores que nos inebriam no calor.
Lá dentro, bem no seio da alma dos cachalotes,
só um gin tónico apaga todas as mágoas,
as dores da distância, o peso plúmbeo do tempo.
É ali, entre aquelas paredes humanas,
que os homens podem morrer,
olhando o velho mar.

O Rio Arade

Olho o rio, deslizando entre as margens
dos meus olhos.
Corre calmo, na linha das casas da cidade,
mas no fundo revolvem-se as suas águas
turvas, dos suores de operários antigos
e do lodo imerso das ausências.
Vogando, encontra a foz e beija o mar,
marejando de lágrimas
os olhos que o vêem libertar-se.

Alentejo

Em Abril,
as abelhas procuram o pólen no alecrim,
andorinhas negras desenham ninhos a barro,
sobre a cal branca das casas de barra azul,
melros desafiam o equilíbrio da gravidade,
nas suas patas singelas.
Que dizer mais que não fira
a alma primaveril?
Apenas que o sol, sombra dá,
​somente a que do céu nos chega.

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Nasceu em Portimão em 1956 e vive em Loulé, no Algarve. É mestre em Educação de Adultos e tem curso de formação avançada de doutoramento em Formação de Adultos. Investiga e publica nas áreas da educação, das culturas, da etnografia e da etnomusicologia. É autor do livro sobre a história do Grupo Folclórico da Casa do Povo de Alte. Coordenou a edição do catálogo da Tradição Musical de Loulé.
Publicou microcontos nas revistas «minicontos», «minguante», «Letrário» e «Bestiário» e poesia na revista «Máquina do mundo»; dois poemas seus constam na Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, "Da Poesia IV". Foi colunista do jornal "A Voz de Loulé" e cronista pontual do jornal "barlavento". Coordenou o suplemento "a cultura" em "A Voz de Loulé" e o jornal virtual "a cultura é para se comer".

Helder F. Raimundo

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