Sonhei com um ataque nuclear
da janela da minha sala
via o cogumelo branco luminoso,
a pulsar continuamente
era estupidamente belo e assustador,
ao mesmo tempo
estranhamente,
não paravam de chegar asiáticos à sala,
homens e mulheres,
com máscaras cirúrgicas,
todos eles sorridentes
eu sabia que sim porque,
embora com máscaras,
os olhos deles sorriam
cada um à vez,
depositavam pesadas portas de madeira,
coloridas,
na sala
e de cada vez que um o fazia,
a porta soltava um fino pó cinzento,
ao embater no solo
e isso dava-nos,
a todos,
um alívio inexplicável
registávamos o depósito de mais uma pesada porta
de madeira colorida,
no chão da sala,
o pó fino e cinzento deixava uma névoa no ar,
olhávamos uns para os outros
e com um ligeiro aceno de cabeça,
sorríamos de alívio
já na cozinha,
encontrei,
pendurados na parede,
inúmeros bonecos de pano coloridos,
com bonitas e intrincadas vestes
a minha missão passara a ser procurar,
dentro das vestes,
uma espécie de sacos de chá,
ainda com o cordel original,
que, na verdade, escondiam dentro
mensagens de pessoas queridas
ia procurando e cortando freneticamente
os saquinhos de chá presos na roupa
e lendo, com alegria sôfrega,
as mensagens
reconheci a letra da minha irmã
e chorei,
num misto de contentamento e saudade
o cogumelo brilhava
chamei os meus filhos para perto de mim
o chão da sala repleto de pesadas portas de madeira coloridas
e no ar um cheiro intenso a folhas de chá
Cláudia Tomé Silva
Natural de Faro, licenciada em Jornalismo, comercial numa multinacional, escrevinhadora de poesia. Dizem que a poesia nasceu comigo, que na primária já escrevia e oferecia papéis aos colegas. Não sei. Lembro-me de um dia estar na aula, a escrever, e de sentir o mesmo estalo no cérebro que sinto hoje, ao escrever um poema. Os que guardei datam da adolescência. Ter nascido e crescido numa seita na qual nunca acreditei, nem sobre a qual pude ter real poder de escolha, durante muito tempo, marcou intensamente a minha identidade. Escrever poesia foi uma forma terapêutica de lidar com as emoções. Bárbaras. Hoje casada e mãe de dois meninos gémeos de 9 anos, um deles com espectro do autismo nível 1. A demora no diagnóstico e no acompanhamento adequado deixou-nos, aos quatro, em carne viva. De novo, a poesia foi terapêutica. Já adulta, já mãe e no meio de uma nova crise identitária, voltei a encontrar a escrita. E a poesia voltou a encontrar-me.