O Bicho Contorcia-se com Saudade
O bicho engolia as mãos na aspiração de arrancar o estômago,
Engolia dedo por dedo e a saliva escorria-lhe pelos cantos da boca,
E na boca do estômago o fervor da impotência, a rouquidão da voz.
Sem mãos, fez-se aos pés, mendigando pelas pedras ao subir a montanha.
Não foram precisas mais bocas para lhe devorarem o corpo,
Agora, as pedras mordiam-lhe a carne e o calos, parte já defunta de si.
Enquanto o pó dos pés somava ao pó das pedras, a lua matou o sol,
E o bicho contorcia-se na inquietação das cordas a lhe impedirem os passos,
O cume era o horizonte e o horizonte a ilha que o bicho queria sorver.
Os pés em passos de luz à procura da distância que, só ela, fazia sentido porque...
Saudade. O bicho sentiu saudade de algo que o circundava, e esquivava-se ao sentido,
Então contorcia-se no desassossego de sentir de perto o que de longe é que deveria sentir,
Então fugia, na busca de viver a dita definição da palavra que lhe enrolava a língua.
Os pelos arrepiavam-se pela falta de força no corpo, ao subir aquela montanha,
O estômago, arrancara-o, as mãos, engolira-as, os pés, moera-os...
Quase sucumbiu, mas o bicho acordou e constatou que permanecia dentro do seu abrigo.
Sara Martins
Sara tem 26 anos e é natural de Monchique.
A inspiração sempre lhe correu nas veias e o gosto pelas artes e palavras ajudou em muito a escolha da sua área de formação - artes visuais -, onde aprendeu a observar o mundo de uma forma mais atenta. Foi aí, num período de descobertas, que o seu interesse pela leitura despoletou entre Fernando Pessoa e Cesário Verde: dois grandes mestres que a levaram a ler ainda mais. A necessidade de escrever juntou-se ao gosto pela observação e pela leitura e assim nasceram os seus primeiros poemas.
Em 2015, Sara Martins trocou a serra pela cidade e mudou-se para Faro. Entre o ensino secundário e o ensino superior, decidiu tirar um tempo para si mesma e focou-se na escrita.
Atualmente, Sara é licenciada em Design de Comunicação pela Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve e exerce a profissão. Não deixou de escrever, pelo contrário, tem vindo a desenvolver textos e poemas que agora agrupa numa só obra.
"No Avesso das Horas" é o seu primeiro livro.