Desconforto.

Depois, repulsa.

Então, asco.

Um asco medonho, nojento.
De imagens execráveis que me invadem os sentidos.
Desta sociedade nauseabunda, putrificada.
Grito.

Tão longe me vejo deles.

Parei há muito.
Parei há uma eternidade.
Parei, quando sim.

Eles continuam.
Corrompendo-se materialmente.
Visceralmente.
Analogicamente.

Eu não.
Já não lhes pertenço.
Fechei os olhos.
Fechei os ouvidos.
Fechei a boca.
Fechei a alma e a razão.

Guardei de mim e em mim a inocência perversa que me salva.
Não quero ser grão, nem peão.
Antes a raiva dos raivosos. Antes o ódio dos odiosos.
Afundem-me no desprezo que me dedicam.
Não quero ser grão.

Por isso fecho. Fecho-me. Fecho-me em mim. Encarno a minha própria personagem, sedenta de mim, enquanto eu.
Medito. O que me rodeia está longe daqui, tão longe daqui.
De onde vem a felicidade senão de mim? Cá bem dentro de mim.

Passam dias, meses, anos. Ainda fechado dentro de mim. Abandonado ao meu pensamento. Com a liberdade de todo o meu pensamento.

Há muito que não abro os olhos. Nem os ouvidos ou a boca. Já não sinto à minha volta. Já não sinto o meu corpo. Pensando bem, acredito que já não tenha corpo. Talvez já não exista fisicamente. Tão pouco importa. Já só me preocupa o meu pensamento. Já só me dedico ao pensamento.

Pensando bem, sou nada mais que pensamento. Agora e sempre.

Livre, finalmente.

voltar ao índice

Carlos Norton

Nasceu em 1975. Vive em Monchique. Seguiu estudos académicos na área das ciências, mas trocou a vida de investigador pela de artista. Começou a escrever um policial aos 7 anos ("Um periquito morto no casarão") mas desistiu ao fim de 2 páginas incompletas. Pouca roupa nas gavetas que estão cheias de papéis escrevinhados.

Carlos Norton
Anterior
Anterior

Onde Andas?

Próximo
Próximo

E Agora?