E Agora?
E agora?
Agora que resolveste o enigma
subiste a montanha
pariste o poema
Agora,
que sabor tem essa hora
de contemplação?
Celebras?
Ou temes a estagnação?
E agora?
Agora que avança o ano
avança o dia
avança a hora
Agora,
aceitas que o tempo não existe
ou persiste
essa sensação de finitude?
Porque afinal
tu existes e és finito
e medes o tempo aos pedacinhos
para forjar uma certa amplitude
Caminhaste o caminho
descalçaste as botas
curaste as bolhas próprias de andar
E agora, ao regressar à estrada
sentes, com um prazer quase mórbido,
a nova roedura no calcanhar
Cláudia Tomé Silva
Natural de Faro, licenciada em Jornalismo, comercial numa multinacional, escrevinhadora de poesia. Dizem que a poesia nasceu comigo, que na primária já escrevia e oferecia papéis aos colegas. Não sei. Lembro-me de um dia estar na aula, a escrever, e de sentir o mesmo estalo no cérebro que sinto hoje, ao escrever um poema. Os que guardei datam da adolescência. Ter nascido e crescido numa seita na qual nunca acreditei, nem sobre a qual pude ter real poder de escolha, durante muito tempo, marcou intensamente a minha identidade. Escrever poesia foi uma forma terapêutica de lidar com as emoções. Bárbaras. Hoje casada e mãe de dois meninos gémeos de 9 anos, um deles com espectro do autismo nível 1. A demora no diagnóstico e no acompanhamento adequado deixou-nos, aos quatro, em carne viva. De novo, a poesia foi terapêutica. Já adulta, já mãe e no meio de uma nova crise identitária, voltei a encontrar a escrita. E a poesia voltou a encontrar-me.