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"Propósito" e "Verdade"

"Propósito" e "Verdade"
são palavras normais
e estão no sítio certo,
no dicionário.
No entanto,
em mim,
despertam um efeito
extra-ordinário.
Não o poderias saber,
porque foram vomitadas,
anos a fio,
de tribunas e altares,
perante os quais fui levada
e forçada a dobrar os joelhos
sem, porém,
nunca ter sentido qualquer real convicção.
Como um animal selvagem
no qual se põe um açaime
e não cessa de ranger os dentes
porque nunca aceitará o cativeiro.
Há muitas mais
e podem ser palavras-raízes
ou palavras-cicatrizes
e embora seja praticamente impossível
anular a ressonância
da sua antiga significância,
há sempre a possibilidade
de as reprocessar.
Por vezes,
são palavras que consigo esvaziar,
como balões:
ja não são tabu,
e também já não são grilhões.
Mas um dia verdadeiramente feliz
é um dia em que encontro
um sentido novo, próprio e meu.
Nesse dia, a palavra renasceu

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Cláudia Tomé Silva

Natural de Faro, licenciada em Jornalismo, comercial numa multinacional, escrevinhadora de poesia. Dizem que a poesia nasceu comigo, que na primária já escrevia e oferecia papéis aos colegas. Não sei. Lembro-me de um dia estar na aula, a escrever, e de sentir o mesmo estalo no cérebro que sinto hoje, ao escrever um poema. Os que guardei datam da adolescência. Ter nascido e crescido numa seita na qual nunca acreditei, nem sobre a qual pude ter real poder de escolha, durante muito tempo, marcou intensamente a minha identidade. Escrever poesia foi uma forma terapêutica de lidar com as emoções. Bárbaras. Hoje casada e mãe de dois meninos gémeos de 9 anos, um deles com espectro do autismo nível 1. A demora no diagnóstico e no acompanhamento adequado deixou-nos, aos quatro, em carne viva. De novo, a poesia foi terapêutica. Já adulta, já mãe e no meio de uma nova crise identitária, voltei a encontrar a escrita. E a poesia voltou a encontrar-me.

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