Tema com Variações 2
Tema
Ver. Ser visto. Só podemos ser vistos se existir alguém que nos veja e que se deixe ver.
E se é verdade que queremos ver, ainda mais queremos ser vistos.
Podemos ver sem ser vistos, mas não podemos viver sem ser vistos.
Variação 1
Ver. Ser visto. Observam-me sem quererem ser vistos, no entanto eu vejo-os a verem-me.
Viram o que aconteceu e agora perscrutam os seus vestígios.
A investigação nunca está completa, mas a verdade é que apenas lhes interessa o processo.
Variação 2
Visível? Invisível? Para poder ver temos muitas vezes de ser vistos, de nos expormos ao olhar dos outros.
De que serve estar invisível numa festa?
Estar numa festa é ver e ser visto, mesmo que depois ninguém se lembre que ali estivemos.
Variação 3
Há tanto que deixei por dizer. É no dia seguinte que sempre analiso o que disse, que sempre lamento o que não disse.
Dizer. Não dizer. Penso demoradamente no tanto que deixei de escutar porque tanto calei.
Variação 4
O que fica de um todo nem sempre é apenas uma parte desse todo.
Uma memória pode ser mais rica do que aquilo que vivemos. Perdas. Ganhos.
Fazer das fraquezas forças não é uma possibilidade, é antes a única possibilidade.
Variação 5
Vejo-me ao espelho. Vejo e sou visto. O outro que sou eu olha-me com a mesma expressão com que o olho.
Sou e não sou eu. O que seria de nós se não nos pudéssemos ver no outro que nos olha?
Variação 6
O que fica de nós nos outros? Será o suficiente para que da parte, alguém retire o todo?
Sabe-se que o amor cria o objeto amado, esse monstro reciclado do que vemos onde nada existe. Miragem? Enigma?
Luís Ene
Luís Nogueira, que assina o que escreve como Luís Ene, tinha 16 anos em 25 de Abril de 1974 e reside actualmente em Faro, onde passou grande parte da sua infância e a adolescência. Em 2002, foi vencedor da 1ª edição do concurso Novos Talentos com o romance A Justa Medida, publicado pela Porto Editora. No mesmo ano criou o blog Mil e Uma Pequenas Histórias, fazendo em simultâneo a sua entrada no mundo dos blogs e na arte da micro-narrativa. Desde então manteve vários blogs e publicou três livros: Blogs (em colaboração com Paulo Querido), Mil e uma pequenas histórias (Leiturascomnet, 2005) e Muchas vezes me sucede olvidar quien soy ( colecção Palavra Ibérica, 2006), Escrever é dobrar e desdobrar palavras à procura de um sentido/ Luís Ene. - 1ª ed. - Póvoa de Santa Iria : Lua de Marfim, 2016; Guru de algibeira / Luís Ene. - 1ª ed. - Faro : Sílabas & Desafios, cop. 2017. Está representado na Antologia de Poesia Portuguesa Actual - Poema Poema (Aullido. Huelva, 2006), na antologia Contos de Algibeira (Porto Alegre, Casa Verde, 2007) e na Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa (Lisboa, êxodus, 2008). Foi fundador e co-editor da Minguante, revista de micro-narrativas on line. Manteve durante dois anos um programa semanal dedicado à literatura na Rádio Universitária do Algarve. Faz parte do projecto musical SomComTom e Língua no ouvido.
Esteve na origem dos grupos literários Sulscrito e Texto-al. Mantém actualmente o blog Ene Coisas (em http://luis-ene.blogspot.com).
Detesta escrever notas auto-biográficas.