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Não há Vida Como a dum Pastor...

Não há vida como a dum pastor... não há vida como a dum pastor... não há amor maior do que o amor dum pastor pelo seu rebanho… mãe assoa-me que eu tenho ranho e quero ser pastor… e pintar planícies alentejanas de nuvens com alguma trovoada... pois eu sou a ovelha negra sem pudor… não há vida como de pastor... bezerros a amamentarem-se nas suas progenitoras… outros não… órfãos da terra que é chamada de mãe quando apenas é madrasta... chama por mim mamã… que eu dou passo que não é passo… é assim um ritmo sincopado… não há vida como de pastor... amanhã quero morrer como pastor… mas hoje quero pastar sem fim... vai rafeiro vai… circunda o malabarismo de lã fofa e reconfortante... quero adormecer debaixo do chaparro… a navalha descasca as belotas que preenchem o meu vazio e o da minha vara… corto o toucinho e o pão já bolorento... onde está o meu cajado? Onde está o meu cajado?! Esta logo ali... mas não há maior mal que alguém carregue que o meu… pois as cataratas caiadas dos meus olhos... não conseguem verdejar o celeiro de Portugal… não há vida como dum pastor… sem saber nasci pastor… sem saber morri pastor… sem saber conheci e amei o verdadeiro amor…

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André Horta

Digo sempre que não sou supersticioso e que sou um ser super lógico, mas é mentira, é uma mentira que prego a mim próprio, como as outras todas que vou espalhando entre a minha pessoa e os outros que vão fugindo de mim, pois senti-me o homem mais azarento do mundo.
Nasci a 13, no mesmo dia em que a minha progenitora também tinha vindo a este mundo, e imaginem quem também nasceu a 13? O meu pai, mas não no mesmo mês. E esse número prosseguiu-me a minha vida toda. Mas isso não interessa para nada, o que quero demonstrar é que era uma pessoa negativa, bastante, odeie-me a mim, a todos e ao mundo, porque o reflexo do espelho não sorria para mim desde da infância, por vários motivos, por isso digo, a escrita salvou-me a vida, do suicídio, do ódio, aprendi a dizer que a pior droga que consumi foi o ódio, e olhem que consumi uma panóplia delas, até partir a escultura das trincheiras da primeira Guerra Mundial em que o meu cérebro se tornou, destrui-o em nano cacos, até tornar-me doente mental crónico, mas isso não interessa para nada, a capacidade de adaptação é a maior inteligência. Mas porque é que eu escrevo?
Escrevo como um diário, escrevo para a loucura da vida não me tornar ainda mais insano, escrevo para sonhar de olhos aberto, para namorar as milhares de mulheres das quais tenho medo, escrevo por a mão direita assim o comandar, escrevo por compulsão, é por isso que está cheia de aliterações e justaposições, costumo me defender argumentando: eu não escrevo, pinto palavras, e eu não escolho palavras, elas é que me escolhem.

André Horta
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