Desejar Violentamente a Paz

desejar violentamente a paz
não a traz
à serenidade chegarás
num dia em que não esperas
porque colherás
os frutos semeados noutras primaveras
é esse o segredo
é simples
sem medo

quando te disserem
que é absolutamente necessário
que pares de alimentar
os teus demoniozinhos interiores
faz exatamente o contrário:
nutre-os bem, sem temores
escolhe muito bem a comida
que dás ao monstro
porque, uma vez
bem nutridos e saciados,
demónios e monstro
ficarão sossegados
são truques
é simples
não retruques

quando te escreverem
uns nomes ilegíveis num papel,
avia a receita
os efeitos
do placebo 
residem nos gestos mais insuspeitos
guarda tudo no armário
e diz a ti próprio que tentaste
depois pega naquele livro da estante
não é esse, o outro, isso!
e lê-o num instante
as palavras curam
ah, não sabias?
palavras e pensamentos
são tudo o que precisas renovar
nesses tortuosos momentos
são mezinhas
é simples
e não definhas

depois caminhas:
fazes as caminhadas,
fazes o caminho,
caminhas na linha
ou fora dela,
tu é que sabes
e o teu corpo em movimento
ligará o coração ao pensamento
é verdade
é simples
experimenta à vontade

se não resultar, não me culpes
o teu totem és tu que esculpes

Cláudia Tomé Silva

Natural de Faro, licenciada em Jornalismo, comercial numa multinacional, escrevinhadora de poesia. Dizem que a poesia nasceu comigo, que na primária já escrevia e oferecia papéis aos colegas. Não sei. Lembro-me de um dia estar na aula, a escrever, e de sentir o mesmo estalo no cérebro que sinto hoje, ao escrever um poema. Os que guardei datam da adolescência. Ter nascido e crescido numa seita na qual nunca acreditei, nem sobre a qual pude ter real poder de escolha, durante muito tempo, marcou intensamente a minha identidade. Escrever poesia foi uma forma terapêutica de lidar com as emoções. Bárbaras. Hoje casada e mãe de dois meninos gémeos de 9 anos, um deles com espectro do autismo nível 1. A demora no diagnóstico e no acompanhamento adequado deixou-nos, aos quatro, em carne viva. De novo, a poesia foi terapêutica. Já adulta, já mãe e no meio de uma nova crise identitária, voltei a encontrar a escrita. E a poesia voltou a encontrar-me.

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