​voltar ao índice

Adormeceste, Oleiro Meu

Adormeceste,
sobre o tapete persa, onde
hora antes tinha sido presa
presa nas tuas garras de barro.

Adormeceste, oleiro meu
de mãos macias, tão pouco reais
ternamente deixadas
no seio de seios ceados
e ceifados, pois
não há amassar de pão e de seio
que não preveja
antes da fornada
cerceados cereais
e sérios ais.

Não sei se surreais, se boreais.
Sei que eram os ais
maná do deserto costeiro.
Fossilizei-os.
Nas falésias vicentinas.
Nelas vi, senti na
mão suave como cetim, ainda que sem ti;

Vi:
um vil, porque vago, lume soerguido do forno
onde vaga-lumes seríamos
a iluminar os flancos que as falésias encobrem
como pão, amassados;
como cacos de barro, esculpidos,
por bocas oleiras
uma da outra oleiras.

Senti:
Um calor de proletário que os ais ceifa
e a espiga cerceia.
Não tarda,
Nos flancos da Tricana a espeta,
ceifando ais.
E brado, enquanto dedilho a amiúde a corda
do alaúde, que acorda.
Brado ao bardo que em ti habita,
trovador que a dor prova
e provador de que são
histórias e trovas
que das trevas
nos afastam.

Se é esculpir que leva a amassar,
e é o amasso
a portagem da viagem,
esculpamo-nos, pois bem;
nessa oficina sem sina,
pois é a olaria a religião
que a viajar
mais ensina.

Se é tocar que leva a compor,
e é a composição
nosso innuendo da transgressão;
toquemo-nos, pois bem;
para da térrea existência
prescindir.

E se é amor que leva a moar,
amemo-nos, pois bem,
para o tempo
peneirar.

​voltar ao índice

Ana Rita Rodrigues

Eterna teísta praticante de Letras, para além de Licenciada em Jornalismo e Comunicação.
Diz que lhe seduz os anónimos, os quais entende como projetos esculpíveis através da escrita.
Não sabe que coisa ser "quando for grande", mas sabe que essa coisa passará pela criação de histórias e recriação de gentes.

Ana Rita Rodrigues
Anterior
Anterior

Redentora Solidão

Próximo
Próximo

Não há Vida Como a dum Pastor...