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Uma Praia Desconhecida

Uma praia desconhecida
pode ser como uma praia qualquer.
Pode ser uma praia 
em que caminhes vários quilómetros 
como se fosses um búzio
andante e pensante
cego e oco por dentro
e o vento te entre e saia 
pelas concavidades
simultaneamente duras e suaves.
Pode ser uma praia
em que te deites 
de barriga para baixo
e braços bem abertos
como algumas monjas
nas cerimónias solenes
de consagração 
e ali fiques, 
enquanto o mar
a areia
as conchas
e as algas 
te esfolam o corpo
até lá deixares uma pele
que nem sabias que tinhas,
muitos abismos abaixo da tua nudez.
Uma praia desconhecida 
pode ser como uma praia qualquer.
Espero por mim como quem espera a maré.

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Cláudia Tomé Silva

Natural de Faro, licenciada em Jornalismo, comercial numa multinacional, escrevinhadora de poesia. Dizem que a poesia nasceu comigo, que na primária já escrevia e oferecia papéis aos colegas. Não sei. Lembro-me de um dia estar na aula, a escrever, e de sentir o mesmo estalo no cérebro que sinto hoje, ao escrever um poema. Os que guardei datam da adolescência. Ter nascido e crescido numa seita na qual nunca acreditei, nem sobre a qual pude ter real poder de escolha, durante muito tempo, marcou intensamente a minha identidade. Escrever poesia foi uma forma terapêutica de lidar com as emoções. Bárbaras. Hoje casada e mãe de dois meninos gémeos de 9 anos, um deles com espectro do autismo nível 1. A demora no diagnóstico e no acompanhamento adequado deixou-nos, aos quatro, em carne viva. De novo, a poesia foi terapêutica. Já adulta, já mãe e no meio de uma nova crise identitária, voltei a encontrar a escrita. E a poesia voltou a encontrar-me.

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